Quem é fidelidade que se dane
Nenhuma empresa pode funcionar ou progredir sem clientes. Ainda muito menos sem aqueles que permanecem por um longo tempo comprando seus produtos ou serviços. Com o intuito de fidelizá-los, muitas empresas com o passar dos anos acabaram criando programas específicos e direcionados a manter os consumidores dentro da sua base, pesquisando seus hábitos, dando-lhes vantagens, descontos ou créditos. Afinal, como há muito se debate no meio acadêmico e também se constata na prática, é muito menos custoso manter consumidores fiéis do que conquistar novos.
Os programas foram se multiplicando pelos diversos segmentos: aéreo, varejo, postos de gasolina, livrarias, restaurantes, hotéis e vários outros. Muitos, no entanto, acabaram se tornando confusos ou de pouca validade para o cliente. O sistema de pontuação por vezes é complicado, as regras não são claras e simples, os prêmios não são conhecidos, há baixa percepção de valor das suas vantagens e o atendimento deixa a desejar.
É exatamente o que acontece no segmento aéreo. Os programas de milhagem, cultivados por todas as empresas de aviação, nem sempre é vantajoso para quem se cadastra. Quanto mais se precisa deles, menos se consegue usá-los. Quem já tentou comprar passagens com milhas com certeza já sofreu com falta de assentos disponíveis, longa espera para ser atendido, antecedência exagerada para marcação de bilhete aéreo, milhas não creditadas e inúmeros outros problemas. Ao invés do programa de fidelidade servir ao cliente, ele acaba servindo apenas à empresa aérea. As milhas, na prática, são um desconto ou crédito dado ao consumidor que pode requerê-lo após certo período de tempo. No entanto, esta suposta vantagem acaba se tornando um pesadelo, principalmente nos momentos em que mais se necessita que o programa funcione.
Foi o que aconteceu comigo com a TAM. Venho tendo alguns problemas com seu programa de fidelidade, do qual sou participante desde 2003; ou seja, sou um cliente com 10 anos de relacionamento oficializado com a empresa. Caso tivessem estrutura e inteligência, poderiam vasculhar meu perfil, meus hábitos, minhas viagens realizadas pela TAM ou ainda as feitas nos seus parceiros na última década, o que, por si só, seria uma informação valiosíssima, muito mais do que as milhas que já acumulei e resgatei. No entanto, não parece que este seja o caso, infelizmente.
No ano passado, comprei um bilhete utilizando pontos do programa de fidelidade da TAM. Porém, para meu azar, acabei perdendo o voo pelo trânsito infernal que enfrentei para chegar ao aeroporto (um trecho que normalmente é feito em apenas 30 minutos acabou levando três horas). Até aí, tudo bem, não era culpa da companhia aérea. Quando voltei no dia seguinte para mudar o bilhete, fui pego de surpresa com a negativa da TAM em remarcar minha passagem. Como se tratava de passagem comprada com pontos, a mesma só poderia ser remarcada com sete dias de antecedência e que, caso eu quisesse viajar, seria obrigado a pagar uma passagem nova pela módica quantia de R$ 1.200 (o que normalmente custaria algo como R$100). Não foi nem ao menos dada a opção de pagamento de multa em dinheiro ou cartão, o que me permitira viajar. Qual é a lógica de tratar um cliente de fidelidade de 10 anos desta forma? Ou seja, o que pareceu é que a empresa estava valorizando mais quem pagasse a passagem na hora e não quem fosse fiel à companhia aérea. Neste caso, a TAM não agiu bem e deveria repensar suas políticas e seu programa. Por que a regra de remarcação foi feita desta forma? Se o cliente (eu, no caso), já estava irritado por ter perdido o voo, por que não lhe dar a opção de remarcá-lo com multa? O que seria uma solução simples, acabou se tornando um foco de insatisfação. Mas as coisas simples, infelizmente, muitas vezes são as mais difíceis de se explicar, entender e aplicar.
Noutro fato ocorrido, requeri milhas de uma empresa aérea parceira da TAM, o que consta da regra do seu programa de fidelidade. Fiz a solicitação formal pelo site da empresa, enviei todas as informações, digitalizei os cartões de embarque, enviei meu itinerário e fiquei esperando. Troquei dezenas de mensagens e postei diversas reclamações pelos mais diversos meios de contato (email, fale com presidente, ouvidoria, fale conosco…). Meses se passaram e nada foi creditado, até que recebi um email curto e grosso com uma mensagem dizendo que “a companhia aérea parceira não encontrou o trecho solicitado”. Outro fato lamentável, mesmo com toda a documentação apresentada por mim.
Além destas pisadas de bola, o atendimento telefônico e por website é simplesmente caótico. Tentar se comunicar com a TAM é fato difícil e praticamente uma via crucis. São inúmeras tentativas, linha ocupada, chamadas interrompidas, música de espera, fila para ser atendido e por aí vai. O cliente é tratado da pior forma possível, sem qualquer respeito. Ou seja, ainda que se queira reclamar, nem os canais oficiais acabam funcionando. Resta a internet.
No meu caso, foi uma das minhas soluções, assim como aconteceu com Dave Caroll e seu “United Breaks Guitars”, que comentei no meu blog (leia aqui). Quando postei minha reclamação no Twitter e Reclame Aqui, a empresa rapidamente se movimentou para dar uma resposta. O mais triste é que somente o fez porque fui à sites públicos e redes sociais, o que não ocorreu pelas vias normais. Agora estou eu, mais uma vez, usando um espaço público para disseminar minha reclamação. A regra antiga de que “um cliente insatisfeito conta, na média, para 10 pessoas sua insatisfação” já não é mais verdadeira. Agora ele conta para milhares via internet.
É claro que os problemas dos programas de fidelidade não são exclusividade da TAM. A sua principal concorrente, a Gol, também demonstra inabilidades, mas talvez menos gritantes. Um dos defeitos principais do Smiles (programa de milhagem da companhia) é a conhecida dificuldade em se marcar um voo com pontos. Como somente uma parte dos assentos está disponível, a tarefa pode se tornar praticamente impossível, principalmente nas datas mais concorridas. Esta atitude acaba por frustrar o cliente, que se sente lesado por não poder utilizar um crédito que lhe foi concedido. Não adianta dizer que a regra está prevista em contrato (muitas vezes em letras minúsculas) e que a empresa está agindo corretamente. O que é muito mais importante é a percepção do consumidor e o que ele pensa sobre a forma como está sendo tratado. Afinal, o objetivo não era fidelizá-lo? Por que adotar então regras que o deixarão irritado e injustiçado, ainda que estejam previstas em contrato? Não seria mais coerente mudar as regras do que perder clientes?
Por outro lado, a Gol dá um baile na TAM com relação a créditos de voos e no controle de solicitações. Caso a viagem tenha sido pela própria empresa, basta digitar o localizador que o crédito é concedido imediatamente (online mesmo). Já no caso de outros pedidos (créditos de voos em companhias parceiras, reclamações, informações etc.), o sistema é de fácil utilização e todo o histórico fica guardado num único lugar, com direito a se anexar imagens, PDFs e tudo mais, além de se poder verificar o andamento do processo. A TAM deveria aprender com os concorrentes…
Outras empresas internacionais também possuem programas de fidelização, sendo a American Airlines uma das pioneiras na sua criação. Aliás, todas as demais acabaram por copiá-la nos anos seguintes para poder competir com a novidade. O que faz com que a empresa aérea americana se destaque quando comparada com as concorrentes nacionais são seu respeito pelo cliente e o apreço pela sua fidelidade. As milhas acumuladas não tinham data de validade até há poucos anos, sendo que a regra foi mudada recentemente. Agora, os pontos têm validade, mas quem continuar voando pela American, tem sua data de vencimento adiada em um ano e meio. Ou seja, é possível continuar com milhas indefinidamente, desde que se continue a usar o programa. Esta regra mostra bom senso e o como a empresa está comprometida com seus clientes.
Para dar outro exemplo, enfrentei certa vez um problema com uma das aeronaves da American Airlines. Fiquei por horas esperando para decolar até que nos foi avisado que teríamos que mudar para outro avião, já que o que estávamos não tinha conserto. Relatei minha insatisfação por email e prontamente fui bonificado em 10.000 milhas. Fiquei feliz com a solução e continuei a voar pela companhia. O que custaram as milhas para a American? Provavelmente muito pouco. O que custaria para eles se me perdessem? Provavelmente muito mais do que isso. Não foi apenas uma questão de satisfazer o cliente, foi uma questão de lógica, de pensamento a longo prazo.
Em suma, criar um programa de fidelidade é uma iniciativa importante, mas não suficiente. É necessário querer realmente fidelizar e encantar os clientes. Regras confusas, prêmios irrisórios, comunicação falha, atendimento precário e falta de bom senso acabam por dinamitar este esforço e passam a jogar contra a empresa. É justamente o que ocorre no caso da TAM, que infelizmente não está fazendo jus ao seu próprio bordão: “sabemos que a escolha da companhia aérea é uma decisão do cliente, obrigado por escolherem a TAM”. Assim que houver mais competição e escolha (hoje o que existe é praticamente um duopólio com a Gol), a decisão não será mais por ela e o seu futuro estará ameaçado. Alguém aí se lembra da Varig e da Panair? Parece que a TAM, não.
Sobre o Autor
Antonio Pedro Alves é formado em administração pela FGV, com MBA em Marketing pela FIA-USP, além de diversas especializações, inclusive na HEC, na França. Atuou em diversas multinacionais, na venda direta, na indústria e no varejo, entre elas o Grupo Pão de Açúcar, Wal-Mart, Reckitt Benckiser, Avon e Newell Rubbermaid. É executivo de marketing, palestrante e consultor.
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