Compra misteriosa
No varejo, uma das maiores dificuldades de qualquer empresa é medir seu atendimento e a experiência geral a que o consumidor é submetido quando entra numa loja. Inúmeros fatores, como ambiente, serviço, rapidez dos caixas, iluminação, limpeza, cordialidade, entre vários outros, influenciam na nota mental que cada um de nós atribui a um determinado estabelecimento.
Muitos destes fatores são de avaliação subjetiva e, portanto, mais difíceis de serem controlados e avaliados; além disso, variam conforme a equipe da loja, o humor dos atendentes e de filial para filial. Outros, porém, são objetivos e mais facilmente identificáveis, como a qualidade dos produtos oferecidos ou sua arrumação nas gôndolas. Ou seja, o varejo é um misto de sensações tangíveis (produtos, sons, limpeza etc.) assim como intangíveis (presteza, rapidez, bom humor, iniciativa etc.). O desafio, portanto, está em medir ambos para que se tenha uma avaliação completa da loja.
Para se manter consistente ao longo do tempo, especialmente quando se possui uma cadeia de lojas (como no caso de franquias, por exemplo, no qual é ainda mais importante garantir um determinado padrão estabelecido pelo franqueador, que necessita manter a identidade de marca, o produto e o atendimento nos seus fraqueados), é necessário criar formas de controle constantes e duradoras para que o que foi desenhado pelo varejista seja de fato executado com excelência.
Um dos métodos mais usados e bem-sucedidos é chamado de comprador misterioso. Trata-se de uma pessoa (ou uma equipe, dependendo do tamanho da rede de lojas) que se passa por um cliente, avaliando cada um dos aspectos considerados importantes pela empresa. Estas visitas são técnicas, mas não podem passar esta impressão. Da mesma forma que um crítico de gastronomia visita restaurantes sem se identificar, o comprador misterioso desempenha o mesmo papel, fazendo-se de consumidor por um dia, agindo como tal, sem tomar notas, até que tenha sido submetido a uma completa experiência dentro do estabelecimento varejista. Somente desta forma é possível testar e avaliar todos os aspectos sem que os funcionários suspeitem de sua real identidade.
Para maximizar o desempenho do programa, é importante, também, que os empregados saibam que estejam sendo avaliados e que esta avaliação poderá ser feita a qualquer instante e por qualquer pessoa. Desta forma, a consistência nos fatores tangíveis e intangíveis é estimulada, uma vez que todos os dias podem ser importantes e estarem no roteiro do avaliador.
Além disso, para que não haja viés e para que os funcionários não se acostumem com um mesmo comprador misterioso, sua figura deve mudar constantemente, assim como seu roteiro, que deverá ser feito randomicamente, sem um padrão definido. Usar sempre a mesma equipe, horários e dias poderá levar aos funcionários a burlarem a avaliação, preparando a loja para estes determinados momentos ou a se aliarem aos compradores misteriosos, num acordo tácito para manter boas notas.
Após a implantação do comprador misterioso, será necessário medir os indicadores de desempenho mensalmente, com o objetivo de manter a consistência dos serviços e produtos, corrigindo eventuais erros e também premiando os bons resultados. Após alguns meses de aplicação do programa, será possível colher os frutos de uma medição constante.
Um dos benefícios que o comprador misterioso traz é poder entender por que determinadas lojas têm um desempenho superior a outras (como na rapidez dos caixas, por exemplo). Assim, é possível aprender com as melhores e com as piores práticas, fazendo-se ajustes para melhorar a avaliação.
Não basta, no entanto, usar apenas o comprador misterioso. Apesar de importante, ele não deixa de ser um funcionário do varejista, que pode estar influenciado por suas práticas e poderá ter, portanto, algum viés na avaliação. Desta forma, para que sua eficácia seja maior, será preciso cruzar as notas do comprador misterioso com as dos próprios clientes, a fim de checar se as duas seguem na mesma direção. De nada adiantará receber uma ótima avaliação da cordialidade e rapidez dos atendentes pelo comprador misterioso se, por outro lado, os clientes não possuírem a mesma percepção.
Em conclusão, o comprador misterioso é uma ferramenta bastante eficaz para a avaliação dos aspectos tangíveis e intangíveis dos varejistas. Sua aplicação ajuda a medir de forma constante e disciplinada os indicadores de desempenho da loja, dando importantes pistas sobre como melhorar os resultados e corrigir distorções. Deverá, no entanto, estar sempre acompanhado de uma pesquisa com consumidores, para garantir que as avaliações sejam percebidas por aqueles que efetivamente farão as compras e manterão o varejista funcionando.
Sobre o Autor
Antonio Pedro Alves é formado em administração pela FGV, com MBA em Marketing pela FIA-USP, além de diversas especializações, inclusive na HEC, na França. Atuou em diversas multinacionais, na venda direta, na indústria e no varejo, entre elas o Grupo Pão de Açúcar, Wal-Mart, Reckitt Benckiser, Avon e Newell Rubbermaid. É executivo de marketing, palestrante e consultor.
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