Quando o serviço não funciona
As empresas que prestam serviço têm um desafio grande para atender as necessidades de seus clientes. Não que aquelas que vendem produtos não o tenham, a diferença é que podem, com uma precisão melhor, controlar as variações e a qualidade daquilo que ofertam ao consumidor. Um refrigerante ou um caderno, por exemplo, dificilmente apresentarão qualquer diferença significativa que possa ser percebida por quem os compra, uma vez que o processo de produção é automatizado e padronizado. Por outro lado, quando se presta um serviço, existe um risco muito maior de haver variações entre o que havia sido estipulado e o que realmente está sendo entregue.
Uma primeira característica dos serviços, portanto, é a sua intangibilidade; ou seja, não há como tocá-los, senti-los ou saboreá-los. Para minimizar esta característica, os prestadores de serviço têm que estar atentos a todos os detalhes que podem tangibilizar a oferta para o consumidor. No caso de uma companhia aérea, por exemplo, deverão, se preocupar com o uniforme de seus funcionários e atendentes, treiná-los para serem cordiais e prestativos, seus balcões deverão passar limpeza e organização e assim por diante.
Outra característica se refere à inseparabilidade dos serviços, o que significa que a produção e o consumo se realizam simultaneamente. Quando se compra uma passagem área, não é possível saber se a viagem será perfeita antes de se consumi-la. Da mesma forma, também é difícil determinar a qualidade de uma montanha-russa antes de efetivamente experimentá-la.
Além destas características, os serviços também são perecíveis, uma vez que são consumidos instantaneamente, não havendo como estocá-los para um uso futuro – o que aumenta a pressão sobre a qualidade daquilo que está sendo ofertado. Isso pode se tornar um problema quando a demanda aumenta drasticamente, não se podendo contar com um estoque de segurança, como no caso de bens de consumo.
Finalmente, os serviços são variáveis, não havendo um padrão fixo e único. Uma consulta médica sempre será diferente a cada interação, uma aula de inglês não será a mesma para cada um dos alunos, assim como uma peça de teatro, mesmo que seguindo um script bem definido, também apresentará pequenas variações, seja com relação ao humor dos atores ou à reação da platéia.
Serviços mal prestados
Com base nestas características explicitadas neste artigo, vamos analisar uma experiência real ocorrida com este autor quando comprou um serviço que não funcionou, mais especificamente uma passagem da Aerolineas Argentinas.
Em primeiro lugar, uma companhia aérea deve prestar pelo atendimento e pela informação precisa aos seus clientes. É o que se espera pelo menos, mas não foi o que aconteceu com a empresa aérea argentina. Tinha uma passagem comprada para Montevidéu para um sexta-feira de Carnaval, com uma conexão em Buenos Aires. Quando cheguei a Guarulhos para o meu embarque, fui surpreendido pela primeira má notícia: meu voo que sairia às 23:30 havia sido cancelado e não tinha sido o único (outro das 20:30 também havia sido).
Tive um primeiro contato com a atendente no embarque, que foi categórica ao não me dar alternativas; ou seja, eu seria obrigado a dormir em Guarulhos e a voar no dia seguinte. Não houve qualquer boa vontade para solucionar o inconveniente e a me encaixar em voos de outras companhias aéreas. Esta tentativa deveria ser feita na loja da Aerolineas Argentinas. O primeiro contato tangível com o serviço, portanto, já estava indo de mal a pior.
Fui à loja, seguindo a orientação que me havia sido passada. O atendimento não poderia ser pior, com o mal humor e a falta de preparo da atendente, que dava a impressão que estava me realizando um favor ao refazer a minha conexão (que eu iria perder no dia seguinte).
Logo, saí de lá sem nenhuma perspectiva. Só fui avisado que deveria pegar a van para o hotel no lugar em que o ônibus da Gol estaciona em Guarulhos. Chegando lá, percebi que não se tratava do lugar certo e saí a buscar indicações de onde poderia ser o local, sem ter ninguém da companhia aérea para me dar uma orientação. Quando finalmente o encontrei, permaneci vários minutos esperando, novamente sem haver ninguém da Aerolineas Argentinas para coordenar o transporte. Aproveitei para conversar com duas moças que estavam na mesma situação e no mesmo voo que o meu. A revolta já era grande com a falta de profissionalismo da companhia aérea. Na hora de chegada da van, não havia lugar para todos e a pessoa que estava no local, dizendo-se apenas prestadora de serviços, não autorizou a ida dos que ficaram sem vaga ao hotel. Ora, se o problema foi da companhia aérea e houve um problema sério de entrega do que foi contratado, o mínimo que se esperaria seria uma compensação adequada aos problemas que ocorreram. Ou seja, a Aerolineas Argentinas deveria se esforçar ao máximo para reparar, ao menos em parte, o dano causado pelo seu mau serviço. Neste caso, deveria pagar um táxi àqueles que não seriam deslocados ao hotel imediatamente. Não foi o que aconteceu.
No dia seguinte, tínhamos que sair muito cedo, 4:30 da manhã, para voltar ao aeroporto, já que o voo sairia às 7:00. Quando fui fazer o check-in, a atendente me disse que não me encontrava na lista de passageiros, outro problema sério no atendimento, o que foi resolvido. O que o cliente pensaria numa situação dessas? Será que se pode confiar no sistema desta empresa? Será que os assentos vendidos são estes mesmos e não há vários duplicados? Foi o que se passou na minha cabeça.
Nesta hora, já havia feito vários amigos entre os passageiros, cada um com sua revolta particular e suas histórias para contar. Acabamos por decolar às 7:30 e chegamos em Buenos Aires perto das 11:00 da manhã. Mas minha batalha com a Aerolineas Argentinas não havia acabado ainda. Eu precisava acertar a minha conexão para Montevidéu, perdida por culpa da companhia argentina.
No aeroporto, fui orientado a procurar um escritório da Aerolineas. Ao chegar lá, novamente fui mal atendido, sem haver qualquer explicação do que eu deveria fazer, a não ser procurar o check-in. O “máximo” que a atendente se prontificou a fazer foi verificar os voos que estavam disponíveis: havia um único as 17:00 para Montevidéu. Ou seja, eu ficaria esperando mais de seis horas no aeroporto e perderia totalmente o meu sábado por conta da Aerolineas Argentinas.
Saí a procurar uma supervisora para me dar informações e ouvi mais uma pérola: “Os voos para Montevidéu estão lotados, talvez você tenha que dormir em Buenos Aires”. Imagine qual era o meu nível de paciência naquele momento. Por sorte, a outra funcionária que estava ao lado logo fez uma correção, dizendo para que eu procurasse o guichê de atendimento prioritário. Esperei pacientemente no meu lugar na fila até ser atendido. Na hora que entreguei meus documentos, ouvi do atendente a mesma informação que havia sido passada pela supervisora: “Os voos estão lotados para Montevidéu”. Meu sangue ferveu e quase perdi a compostura, enquanto o funcionário, assustado, foi rever a informação, voltando correndo e dizendo que mais voos haviam sido abertos. Minha única felicidade foi quando o cartão de embarque da conexão foi impresso e eu tinha alguma certeza que meu pesadelo iria acabar.
Depois de algumas horas de chá de cadeira no aeroporto, me dirigi ao portão para finalmente pegar meu voo para Montevidéu. Na TV da sala, não havia indicação alguma de qual seria seu número. Outros passageiros, igualmente cansados e irritados como eu, começaram a perguntar às atendentes se iríamos embarcar no horário e onde ele seria feito. Nenhuma informação foi dada e algumas funcionárias começaram a responder rispidamente e de forma pouco educada aos questionamentos. Não podia ser pior. Descobri, com outros passageiros, que o voo que eu estava originalmente iria direto para Porto Alegre, sem escalas. A Aerolineas Argentinas, com a confusão toda e sua ineficiência, criou uma escala em Montevidéu para acomodar aqueles que tiveram seu voo cancelado.
Finalmente, às 17:30, entrei no avião, mas não podíamos decolar. A explicação dada foi “tráfego aéreo intenso em Montevidéu”. Ainda tivemos que aguardar até depois das 18:00 quando finalmente levantamos voo. Quando cheguei em Montevidéu, mal podia acreditar e estava ainda mais feliz porque minha volta seria pela Pluna e não pela Aerolineas Argentinas.
Neste episódio dramático que sofri, podemos verificar vários erros feitos pela companhia argentina. Em todos os pontos de contato tangíveis do serviço, houve falhas ou descaso: atendentes mal humorados, escritórios em más condições ou balcões de check-in em estado deplorável.
Com relação à perecibilidade, a empresa não conseguiu lidar com uma demanda grande no período de Carnaval. Não havia planos de contingência, por exemplo, que poderiam minimizar os desconfortos gerados por um cancelamento. Ou seja, a Aerolineas Argentinas deveria contar com aeronaves reservas, acomodações em outras companhias aéreas e compensar financeiramente os clientes que foram lesados.
No que tange à variabilidade, a companhia aérea demonstrou que não existe qualquer padrão para suas operações. As informações passadas pelos atendentes é desencontrada, a qualidade do serviço é ruim e o serviço de atendimento aos clientes é inexistente.
Em conclusão, prestar serviços é desafiante e deve ser levado a sério pelas empresas. Deve-se atentar para as características inerentes ao seu bom funcionamento, como a perecibilidade, inseparabilidade, variabilidade e a intangibilidade. Problemas em qualquer uma destas características pode causar transtornos para os clientes. E, se forem inevitáveis, devem ser sanados imediatamente, de forma prestativa e cuidadosa, podendo-se, até, compensar financeiramente os consumidores. Afinal, perdê-los seria um prejuízo muito maior para a companhia do que compensá-los de alguma forma. Infelizmente, não foi o caso da Aerolineas Argentinas.
Sobre o Autor
Antonio Pedro Alves é formado em administração pela FGV, com MBA em Marketing pela FIA-USP, além de diversas especializações, inclusive na HEC, na França. Atuou em diversas multinacionais, na venda direta, na indústria e no varejo, entre elas o Grupo Pão de Açúcar, Wal-Mart, Reckitt Benckiser e Avon. É executivo de marketing, palestrante e consultor.
Deixe um comentário